A vernissage dos corpos


O verão transborda o desejo. A estação que esquenta, que desnuda e que neutraliza o pudor, também aguça o faro, o olfato, o tato, o paladar e, principalmente, a visão. As formas estão salientes. As cores se intensificam. A sensualidade é quase corriqueira. À flor da pele estamos, ainda que longe da próxima primavera.

Ter um corpo perfeito é quase obrigação. Gabam-se alguns, lamentam-se outros. Mostram-se aqui, escondem-se acolá. Faço parte da parcela que lamenta, mas não se esconde. Se meu corpo não é perfeito em curvas e músculos, o que mais posso fazer além de admirar os corpos que o são, entre um gole e outro de caipirinha de maracujá?

É aí que surge o verdadeiro prazer do não-ser. Um corpo perfeito é uma obra de arte a ser absorvida. Nós, que não o temos, somos admiradores, curadores, amantes de sua beleza. Corpos perfeitos, devidamente marcados por sungas e biquínis, são convites ao olhar, ao deleite, à discussão; assim como um Picasso ou Dalí. Praias e piscinas são museus naturais, expondo o que há de belo e de novo. Boutique de carnes finas e bronzeadas. Excitam. Aguçam. Reinam.

Não faz parte de minha proposta discutir o quão bem faz à auto-estima ter um corpo escultural. Só estes nobres esforçados sabem o quanto sofreram para chegar até ali, o quanto pouparam-se, o quanto esforçaram-se. São artistas colhendo o fruto de um ano inteiro de trabalho duro. O verão é a vernissage dos corpos.

Um artista e sua obra, porém, não fazem sentido sem o público. Ninguém trabalha meses em algo se não for para exibi-lo, entregá-lo aos leões para que estes o devorem. O ego de um artista jamais estará completamente inflado se não houver resposta, seja ela boa ou ruim. O silêncio está para o artista como a água está para o fogo.

Por isso contento-me, e até empolgo-me, em ser platéia. À platéia reservam-se os maiores prazeres: o riso, as lágrimas, o êxtase, os aplausos e as vaias.

A euforia de despertar um desejo jamais será maior do que a de ter um desejo despertado.

E que assim seja até a chegada do outono.

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