_ o cara


Eu conheci um cara de caras e bocas
De nomes e de grifes, de gosto duvidoso
O cara vestia um terno com botões dourados

Praticava escalada indoor e kung-fu
Talvez por necessidade de auto-afirmação
Talvez para esconder suas tendências homossexuais - ou mesmo satisfazê-las
Ou para conseguir companhia e alguma história chata para contar no café

O cara usava uma máscara fiel a um rosto humano
Mas que era tão frágil quanto seu caráter
Que se rompia no segundo gaguejar de suas palavras cínicas

O cara vinha de família rica, assim dizia,
Dessas que tem bois e herança
Fincadas no coronelismo da cidade das borboletas

Esse cara gabava-se de ter depressão
Ostentava seu tarja preta como se fosse um rolex
E ia ao urologista duas vezes por semana
Com medo que uma gripe o deixasse estéril

O cara escrevia um diário no bloco de notas do Windows
Lá reclamava do pai, da madrasta, da namorada, dos sócios
E dos conflitos que sua dieta sem fritura causava em casa

O cara não sabia rir de coisas bobas
Não tinha amigos sinceros, nem ninguém para sentar na calçada
Mas lia Vida Simples, tinha notebook, palmtop
E todo tipo de parafernália criada para substituir pessoas

O cara tinha as piores idéias,
Por que acreditava que elas eram as melhores
Tinha as piores atitudes,
Por que é assim que agem os yuppies

Aliás, tudo que ele sempre quis na vida é ser um yuppie
Por que um yuppie está sempre muito ocupado
E não tem tempo para pensar no quão medíocre é sua existência

Convivi com esse cara diariamente nos últimos três anos
Às vezes sentia raiva dele, às vezes pena
Mas na maioria das vezes sentia nojo

Sabe quando você vê uma pomba agonizando?
Tem vontade de ajudar, mas aí lembra que o bicho tem um monte de doenças e prefere passar reto, ignorar?
Era assim que eu me sentia em relação ao cara

Três anos foram suficientes para que o cara me presenteasse
Com uma empresa falida e uma dívida considerável no banco
Previsível, eu diria

A esta altura, o Cara deve estar rindo da minha cara
Quer saber, cara? Pode rir à vontade.
Eu ri muito mais de você nos últimos três anos.

_de volta ao meu aconchego

Eu nunca quis um blog estilo “querido diário”. Precisaria passar muitas vezes na fila da transparência ou criar um pseudônimo bastante convincente para poder expor minha vida na internet. A fila da transparência eu já perdi, e provavelmente ela ficava bem ao lado da fila da genialidade literária. Sem diarinhos, portanto.
Mas também estou cansado de ter um blog “crítico”. Não sei se alguém se importa o suficiente com a minha opinião para dar sentido ao que escrevo. Existe muita gente fazendo isso, com mais técnica e mais competência.
Um dos motivos de eu ter ficado um bom tempo sem postar no PQP, é que já estava me tornando um pseudo-crítico totalmente parcial. Ficou difícil ver e ouvir coisas ruins pelo simples prazer de comentar. Talvez os meus 25 anos colaborem um pouco para que isto aconteça. Já sei do que gosto e do que não gosto. Não faz sentido perder tempo com o que não gosto.
Que isto não seja entendido como medo de experimentar. Adoro novidades, acho que isso ficou claro com tudo o que escrevi aqui e no Popular e Erudito. Depois que se faz 25, você percebe como o tempo é valioso e que deve ser gasto apenas com coisas boas. Afinal, as ruins vão aparecer de qualquer forma, não é necessário procurá-las.
Isso ta parecendo um post de despedida, então, mudemos o rumo desta prosa.
Eu não quero que o PQP se transforme em um blog “querido diário”, mas tampouco quero que continue com as pseudo-críticas. Continuo gostando de comentar sobre o que ouço, leio e vejo, mas daqui pra frente, isso virá de forma mais leve, menos lapidada, mais despretensiosa. Despretensão. Oi? Essa palavra existe? Se existir, é essa a palavra.
Há pouco mais de um mês, me chamou a atenção uma matéria da Folha de São Paulo, sobre um movimento virtual intitulado Slow Blog. Trata-se de um grupo de blogueiros que testam a paciência e a fidelidade de seus leitores, produzindo textos longos e bem elaborados, postados em ritmo desacelerado. Alguns chegam a ficar meses sem publicar.
Gostei disso. Por que minha vida é acelerada demais. Há tanta informação e tão pouco tempo para absorver. Meu pé está saindo do acelerador. É hora de ser mais humano e menos mecânico. Não que eu vá ler “Vida Simples” e comprar um cd do Coldplay, não é isso. Até porque, na minha humilde opinião, esta revista elitizada e a banda do Chris Martin são tão honestas quanto o Paulo Maluf.
Mas acho que de vez em quando faz bem colocar aquele LP antigo do Balão Mágico na vitrola empoeirada, só pra ouvir o chiado inimitável da agulha arranhando o vinil.
Não sei se o PQP vai se transformar num Slow Blog. No momento a resposta seria talvez. Escrever é uma boa terapia, e eu sou do tipo de pessoa que jamais publica um texto após lê-lo mais de duas vezes.
Acredito que o PQP será, daqui pra frente, um caderno de rascunhos. Vou tentar me expressar de uma forma divertida, como sempre fiz, mas quero me reconhecer no que escrevo. Quero usar minhas palavras, colocar as vírgulas onde eu bem entender (mesmo que esteja errado). Também quero usar mais imagens e talvez colocar algumas músicas que produzo (porcamente, mas produzo). Afinal, toda forma de expressão é válida. A linguagem escrita monopolizou os blogs. Talvez por isso os blogueiros que publicam seus desenhos, gravuras e quadrinhos tenham ganhado tanto a minha admiração.
Enfim, antes tarde do que nunca, o Pensa que é Pop volta à ativa. No mesmo endereço, com o mesmo layout, e, espero, com os mesmos leitores. Afinal, eu é que mudei. A questão aqui é: faz alguma diferença?